Estávamos de férias em Conceição de Tavira quando o Rafael manifestou interesse em tocar acordeão em público. Considerámos a hipótese de o deixar tocar na marginal de Cabanas de Tavira, que à noite está fechada ao trânsito e tem bastante pessoal a passear. Mas havia o pequeno problema de ter de transportar o acordeão.

Dias depois, a Aline encontrou uma família inglesa no mini-mercado Algartalhos com um filho deficiente. O rapaz começou a cantar, para espanto dos funcionários, e acabou a cantar à porta do mini-mercado. Os funcionários do mini-mercado ficaram espantados, mas aprovaram o canto.

Silva's, 6 de Julho

Entusiasmada com o interesse dos funcionários do mini-mercado, a Aline aproveitou para vender a ideia de trazer um acordeonista ao snack-bar “Silva's”, ao lado do mini-mercado, que acolheu a ideia.

Domingo, 6 de Julho, fomos tomar café ao snack-bar depois do almoço, e o Rafael levou o seu acordeão.

Estavam umas quatro mesas ocupadas na esplanada, talvez uma dúzia de pessoas. Não sabiam que o Rafael ia tocar. O Rafael tocou a uns três metros de distância da esplanada, perante a indiferença do público, com a possível excepção de um miúdo com uns dez anos, que ouviu atentamente.

O Rafael começou por tocar razoavelmente bem mas, perante o desinteresse, virou as costas ao público e foi-se enganando cada vez mais. Interrompi-o quando os enganos se tornaram demasiado frequentes.

Aprendemos que teria sido boa ideia preparar o público, talvez simplesmente anunciar o que ia acontecer. A verdade é que no snack-bar Silva's impusemos ao público um espectáculo que eles não esperavam.

Calhou que logo de seguida voltámos ao mini-mercado ao lado. Um dos funcionários meteu conversa, disse que não tinha ouvido o Rafael. Mas algumas pessoas tinham feito comentários que lhe tinham posto os cabelos em pé, não em relação à música, mas em relação à deficiência.

Respondi que os comentários ficavam com quem os fazia. E que para mim, ver o Rafael tocar assim já era um pequeno milagre.

Não respondi que compreendo essa ignorância, esse preconceito, contra os quais tenho que lutar. Só quem passa pelos problemas é que os compreende verdadeiramente. Eu nada sabia sobre Síndrome de Down até uma médica dizer “o seu filho é deficiente, compreende?” Só comecei a compreender com a ajuda da creche A Tartaruga e a Lebre, e ainda hoje continuo a tentar compreender.

O Celeiro, 11 de Julho

Dias depois, estávamos a tomar café no snack-bar “O Celeiro”. Há anos que vimos ocasionalmente a este snack-bar, e nos últimos dias tem servido de ponto de paragem nos passeios de bicicleta. No dia anterior tínhamos lá estado três (eu, a Aline e o Rafael), mas hoje o passeio de bicicleta foi só comigo e com a Aline.

A dona do snack-bar (Eulália Conceição) perguntou pelo Rafael e, depois, confidenciou que teve um filho com a mesma deficiência, que infelizmente morreu muito novo, com seis anos. Como o snack-bar tinha anunciado um espectáculo de fados, a Aline perguntou se o Rafael poderia tocar no snack-bar. Foi convidado para a Sexta-feira seguinte, em que iria haver uma noite de petiscos com animação musical a cargo de um organista.

Sexta-feira, 11 de Julho, reservámos uma mesa e fomos petiscar ao snack “O Celeiro”. O Rafael estava nervoso, mal tocou na comida.

Primeiro tocou o organista profissional Arcílio Palma, depois a cantora amadora Sónia Rodrigues.

Quando chegou a ver do Rafael, o dono do snack-bar (Hélder Conceição) e o Arcílio Palma (também responsável pelo som) montaram um microfone para o acordeão de forma semelhante ao que tinha sido feito no CPCD.

O Rafael tocou as três músicas que tinha escolhido, sem erros, com palmas do público.

Mais tarde, numa segunda ronda, o Rafael tocou algumas músicas mais simples, de novo sem erros.

A dona do snack-bar (Eulália Conceição) fez o video abaixo, que partilhou no Facebook com o seguinte comentário:

Rafael és um exemplo a seguir... aqui fica o video que não deixa dúvidas, a todos os pais muita força..... e nunca desistam ........

Aprendemos que temos de organizar o repertório do Rafael. Ele tocou de ouvido, mas sabe ler música. Temos que compilar as músicas que ele sabe tocar melhor, com a ajuda do professor de música, para que o Rafael escolha facilmente as músicas a tocar.

Agradecimentos

Não tenho palavras suficientes para agradecer a todos os que tornaram possível ao Rafael tocar em Conceição de Tavira nos snack-bares Silva's e O Celeiro. Foi muito importante para nós e para o Rafael.