Um pouco de paraíso

O meu pai, fumador passivo por razões profissionais, morreu de cancro aos 48 anos quando eu tinha 15 anos. Segundo um médico, tinha “pulmões de fumador”.

Pouco depois, o meu padrasto tornou-me num forçado fumador passivo em casa. Nunca ninguém me perguntou se gostava do intenso fumo de tabaco ao princípio da noite.

Mais tarde, quando veio a vida nocturna associada à Faculdade, o fumo foi sempre um “mal necessário”. Que eu soubesse, não existiam discotecas nem bares onde se proibisse o fumo, ou sequer onde existissem zonas de não fumadores.

Abençoada Irlanda, onde em 2005 tive o imenso prazer de frequentar um pub com música, guinness e... ar puro!

Mesmo nos meus locais privados, foi sempre necessária alguma argumentação para impedir amigos e convidados de fumar.

O meu antigo Renault 5 chegou a ter um dístico de não fumar em frente ao lugar do pendura, que uma amiga minha teimava em tapar cada vez que entrava no carro. “O sinal fazia-lhe confusão”, dizia ela.

Quando tive casa própria, muita gente estranhava a falta de cinzeiros. Só depois de acenderem o cigarro e pedirem o cinzeiro é que concluíam que talvez tivesse sido uma boa ideia perguntarem primeiro.

Recentemente, tenho a experiência do restaurante que frequento quase todos os dias úteis desde 2003. Em cinco anos de aturar fumadores ao almoço, houve exactamente duas pessoas que perguntaram se podiam fumar.

Na primeira vez, há já alguns anos, a jovem senhora que perguntou, já de cigarro e isqueiro na mão, apressou-se a beber o café e a pagar a conta para poder acender o seu cigarro já no exterior. Era dolorosamente óbvio que ela não esperava ouvir um “não”.

A segunda vez aconteceu já em Dezembro passado, quando se sabia que a nova lei ia entrar em vigor. Após o “não”, agradecemos profusamente ao jovem por ter perguntado. Cinco minutos depois, o mesmo jovem acendeu o cigarro sem perguntar. Senti que ficou tudo dito sobre a boa vontade do fumador típico.

Vem este texto a propósito do artigo “o ghetto” de Vasco Graça Moura, que afirma “os fumadores estão, na sua esmagadora maioria, perfeitamente dispostos a respeitar os não fumadores, desde que a inversa seja verdadeira.” Não creio que alguma vez tenha desrespeitado um fumador mas, em 5 anos de almoços, terei respirado o fumo de 6000 a 36000 cigarros (5 a 30 por almoço), contra 1,5 perguntas de “importa-se que eu fume?”

Após 27 anos de resignação silenciosa, foi-me permitido sair do meu ghetto. Pela parte que me toca, “não fumar” rima com paraíso.

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